Recordações de uma Miss

Rui Coutinho/Global Imagens

No mês em que se escolheu uma nova – e polémica – Miss Universo, fomos à procura das que foram as mais belas de Portugal nos anos 1960, 70, 80, 90 e 2000. Eis as misses de Portugal, num tempo em que ser miss tinha todo um outro glamour.

TELMA SANTOS | 31 anos | Miss Portugal 2000
Tinha terminado o 12.º ano e traba­lhava numa loja de roupa. Fez tu­do pela calada, apenas com a cum­plicidade da mãe. «Fui-me maquilhar a uma esteticista, fiz fotos numa loja de fotos e en­viei. E pedi à minha mãe para não contar na­da a ninguém. Nem ao meu pai. Não gostava de perder e queria manter tudo em segredo.»

«Quando fiquei nas 16 escolhidas nem queria acreditar. Fazia atletismo, era muito magra, a minha autoestima não era grande coisa. Sentia que estava com sorte.»

O ambiente, garante, era sadio. Não havia picardias nem minigrupos rivais. Depois, veio a saber que havia lá manequins que já eram conhecidas e ninguém esperava que ganhasse. Telma Santos tinha 18 anos e pou­co ou nada tinha saído de Setúbal, terra na­tal. Ver como as tratavam em cada cidade que visitavam deixou-a exultante. «Sentía­mo-nos importantes!»

Quem foi ver a final foi a mãe e o namora­do da altura. O pai, que já sabia, achou que dava mais sorte se ficasse em casa. E, pelos vistos, deu. Telma ganhou o título de Miss Portugal e, no ano seguinte, disputou o Miss Universo em Porto Rico: «Tínhamos polí­cias para nós, estávamos protegidas como se fôssemos joias. Ali, sim, havia glamour e era a sério! Eu parecia um passarinho que saiu do ninho e não sabia como voar.»

Depois, foi a moda. O primeiro desfi­le, o primeiro catálogo, as primeiras via­gens sem ninguém a acompanhar. O ter de se desenvencilhar sozinha. «Cresce–se imenso porque passamos muito tem­po sozinhas. Fiquei muito mais segura e mais forte. Nunca me vou esquecer da pri­meira vez que fui a Paris, em trabalho, a Londres, a Milão… Vivia uns tempos aqui, outros ali. A moda proporciona uma vida muito rica.»

MARISA FERREIRA | 35 anos | Miss Portugal 1998
Marisa Ferreira queria concorrer a Miss Universo. Desde pequenina que ficava presa à televisão, sem­pre que era o dia da eleição da mais bela. «Eu e a minha mãe não perdíamos aquilo. Era um fascínio. Aos 9 anos, a minha mãe inscre­veu-me numa agência, fiz o primeiro book e comecei a ir a castings.» Tentou por três ve­zes concorrer a Miss Portugal. Só à terceira conseguiu. Tinha 20 anos.

Durante um mês, andou com as outras a passear por Portugal e não guarda grandes lembranças. «Havia concorrência a sério. Al­gumas diziam que eu era baixa e que não es­tava ali a fazer nada. Foi tipo bullying. Às ve­zes, chorava à noite. Desistir? Nunca na vida!»

No dia da eleição, teve uma surpresa. O vestido lindíssimo que Zé Carlos tinha de­senhado para si não estava lá. «Uma das con­correntes roubou-mo. Como eu era a primei­ra a entrar, enfiaram-me um vestido branco, enorme, que tiveram de encher com tule, no peito. Quando entrei caíam bocados de tu­le, pareciam pensos higiénicos. Horrível.»

Mas ganhou. Tornou-se Miss Portu­gal (e Miss Simpatia). E já podia cum­prir o sonho de concorrer ao univer­so. «Fui sozinha. Ninguém me ligou a perguntar se cheguei bem, ninguém me desejou boa sorte. Foi estranho. Por isso não guardo saudades.»

No concurso dos seus sonhos, não ganhou o título. Mas também não o esperava. «O sonho era ir, era estar lá, entre as candidatas. E estive. E ainda trouxe o título de Miss Simpatia. Lá, sim, éra­mos tratadas como princesas.»

Quando chegou ao aeropor­to, tinha uma comitiva à sua es­pera. Com o seu feitio particu­lar, rejeitou fotografias e pal­madinhas nas costas. «Então só depois de trazer um títu­lo é que sou boa? O meu ma­rido diz que eu tenho mau feitio e que perco muito por ser assim. Eu acho que sou só justa.»

ANA SOBRINHO | 43 anos | Miss Portugal 1989
Quando ganhou o concurso de bele­za interescolas, em Setúbal, o irmão, Luís Sobrinho, então futebolista, achou que a beleza da irmã deveria ser apre­ciada para lá de terras sadinas, exibida ao mundo. E foi assim que a inscreveu no con­curso Miss de Portugal, sem a avisar de nada.

Ana não se zangou com ele. «Participei sem estar à espera e foi tudo uma grande surpresa e tudo muito natural. Talvez pelo facto de não ter sido algo planeado por mim me tenha corrido bem. Sem pressões, stress. Ganhar foi a cereja no topo do bolo.»

O concurso de Miss Universo foi dois dias depois, em Cancun. «Cheguei ao México de­pois de 18 horas de viagem. Nunca tinha via­jado de avião. Estive um mês no México e foi muito enriquecedor para mim. Estavam 76 países representados, conheci misses de to­dos os cantos do mundo, de culturas e reali­dades completamente distintas da minha.»

Um dos prémios de ter sido Miss Portu­gal foi um curso na Show Time, uma esco­la de renome, do estilista José Carlos. Foi aí que conheceu Carlos Castro e passou a estar na produção de espetáculos de moda pelo país. Meses depois, entrou na Central Mo­dels. «Trabalhei como modelo na Central durante 12 anos, muito felizes e compensa­dores.» Depois, deixou de pisar passarelas e posar para as câmaras. Ficou-se pelos basti­dores e pela terra que a viu nascer e crescer. Hoje promove eventos de moda em Setúbal, mas tem saudades da vida agitada de Lisboa.

ANA MARIA LUCAS | 64 anos | Miss Portugal 1970
Antes de ser eleita Miss Portugal, já era manequim de uma das mais pres­tigiadas casas de moda de Lisboa, a Ayer. Quando a escolheram para candidata não quis ir. Achou que os pais não iam aceitar. No dia da eleição, não acreditou que ganhas­se. «Já me estava a despir para me ir embora quando o Fialho Gouveia veio dizer que ti­nha ganho e que tinha de voltar ao palco. Era suposto sentar-me no trono, num palco gira­tório, e que aparecesse já rainha. Por pouco não apareceu o trono vazio!»

Depois seguiu para o concurso Miss Euro­pa. «De regresso da Grécia chegou a Lisboa Ana Maria Lucas, Miss Portugal que, além da simpatia e um sorriso doce, trouxe para Por­tugal um significativo Miss Europa», lia-se no Diário de Notícias. Seguiu-se o concurso Miss Mundo, em Londres, e depois o Miss Universo.

Sempre que se pensa em Miss Portugal, o primeiro nome que vem à ideia é o de Ana Ma­ria Lucas. Eram outros tempos. A visibilidade que o título lhe deu teve impacte, mas teve de se fazer à vida: continuou como manequim, apresentou o Festival da Canção, trabalhou numa empresa de roupa, foi designer, partici­pou em novelas, casou-se com o cantor Carlos Mendes, de quem teve dois filhos.

Em 2009, sofreu um AVC, que lhe afetou a mão direita e a fala. Um susto que ultrapas­sou com a mesma elegância com que sempre viveu. Hoje, lastima não ter trabalho, porque sabe que ainda tem muito para dar, à frente das câmaras ou nos bastidores.

MARIA DO CARMO SANCHO | 67 anos | Miss Portugal 1965
Achava-se horrorosa. A auto-estima andava em franga­lhos, muito por culpa do ir­mão mais velho, que lhe dizia que era um camafeu. Assim, foi com sur­presa (e orgulho) que recebeu o con­vite para se candidatar ao concur­so de Miss Portugal (as candidatas eram escolhidas por uma espécie de «olheiros» da beleza).

Maria do Carmo passou por pro­vas e treinos: postura, saber desfi­lar, saber estar. «Não tinha jeito pa­ra pisar a passerelle. Treinei muito.»

Quando ficou entre as finalistas começou a pensar que, se calhar, ain­da ganhava. E ganhou mesmo, no Monumental, em junho de 1965. «Fi­quei emocionada e tinha uma lágri­ma quase a cair. Um fotógrafo disse–me: “Não chores, sorri!” E eu sorri.»

Um mês depois, foi para Miami, para concorrer a Miss Universo. «Eram desfiles, anúncios, almoços, jantares, encontros… Tínhamos de saber dançar, cantar. Tive aulas de canto em Portugal, mas tinha de cantar sempre no mesmo tom, para não me descontrolar. Era cansativo! Só pensava: «Pobre da rapariga que ganhar isto! Vai ter de andar linda e maravilhosa 24 horas por dia du­rante um ano inteiro!»Guarda boas recordações. E al­guma pena pelo envelhecimento: «Custa olhar para o espelho. Sinto que o meu cérebro não corresponde ao que vejo.»

[24-11-2013]