Pedalar com estilo

Chama-se Rasto e é a única marca portuguesa de roupa para ciclistas urbanos. Criada há dois anos por Geraldo Cirineu, está a conquistar cada vez mais clientes, e até já vende para a… Islândia. Num tempo em que se discutem formas mais sustentáveis e económicas de mobilidade, este estilista-carpinteiro de Aveiro encontrou um nicho de mercado por explorar. E com pernas para pedalar.

Geraldo Cirineu foge ao estereótipo do estilista fechado num atelier chique situado na parte velha e nobre de uma cidade cosmopolita, vestindo roupa de corte aprumado e acabamento perfeito. É na Gafanha da Encarnação, em Aveiro, rodeado de campos agrícolas, que o jovem de 27 anos trabalha na Rasto, a marca que criou há quase dois anos, direcionada para quem faz da bicicleta o principal meio de transporte. E recebe os jornalistas em calças de fato de treino e uma camisola de malha sem assinatura – uma combinação simples, prática e confortável, qualidades imprescindíveis quer nas roupas que usa quer nas que faz.

Numa antiga marcenaria transformada em atelier, onde não faltam vestígios da serração de madeira e do fabrico de móveis (a mesa onde estende os moldes e corta os tecidos é a mesma que os marceneiros utilizavam para lixar madeira), Geraldo passa os fins de tarde e os fins de semana a cortar e a coser, reproduzindo em vários tamanhos bonés, jeans, polos, T-shirts e sweat-shirts para um consumidor muito específico: o ciclista urbano.

Foram os amigos que o levaram a criar uma linha de roupa especial para quem anda de bicicleta. Roupa idêntica às do dia a dia, mas com pormenores que tornam a viagem em duas rodas mais confortável. «Há muitos anos, mesmo antes de tirar o curso na Escola de Moda do Porto, que andava com vontade de ter uma marca minha. Nessa altura pensava numa linha comercial de jeans , porque a ganga é o tecido com que me identifico mais. Mas depois, em conversas de café com amigos que usam diariamente a bicicleta para se deslocar em Aveiro, percebi que havia um nicho de mercado por explorar e onde eu poderia ter sucesso. Eles contaram-me as dificuldades que tinham em encontrar roupa confortável para andar de bicicleta.»

Foi assim, a partir de conversas simples, em circunstâncias banais, que tudo começou. Geraldo não é, ele próprio, um ciclista habitual, mas isso não o impediu de criar as peças para quem usa a bicicleta com regularidade. Primeiro desenhou as calças. E quando foi procurar o tecido para as fazer, não hesitou um segundo: «Tinham de ser de ganga, claro.» Um só modelo, em vários tamanhos, com reforço de tecido no cóccix e uma aplicação de refletores nas bainhas, «muito úteis à noite». Mais tarde alargou a oferta com camisas, T-shirts , polos, sweat-shirts e bonés. «Talvez por serem das peças mais baratas», os bonés são os que vendem mais.

Geraldo encontra inspiração «em tudo o que as pessoas usam no dia a dia». «Não faz sentido contrariá-las. Se gostam de determinados tecidos e de cortes, eu tento ir ao encontro dessas tendências, introduzindo as devidas adaptações para a bicicleta, com acabamentos que garantem conforto e funcionalidade.» Os jeans são um bom exemplo do que fala: «Além de um corte bonito e moderno, têm um reforço na parte do selim para durarem mais tempo. A pouca durabilidade das calças é um problema comum a quem anda muito de bicicleta. Rompem-se demasiado.»

Numa altura em que se discutem os melhores meios de transporte para uma mobilidade mais sustentável, e em que a bicicleta surge como a opção mais económica, saudável e amiga do ambiente, a ideia não podia ser mais oportuna. Embora ainda de uma forma tímida, as bicicletas começam a tomar conta das cidades [ver edição de 5 de maio de 2013 da Notícias Magazine ] e Cirineu quer vestir melhor, com mais estilo, quem pedala todos os dias. Em Portugal não há tantos adeptos desta solução económica como noutros países europeus – Alemanha ou Holanda, por exemplo – mas há cada vez mais pessoas a deixar os carros em casa e a ir trabalhar de bicicleta. É um mercado novo, cheio de oportunidades, que Geraldo parece saber aproveitar. E sem pressa de chegar longe. Até onde, não sabe, mas sabe que nunca sacrificará o prazer e a qualidade pelo lucro rápido. «Enquanto tiver gosto no que faço, irei aonde isto me levar. Ganhar dinheiro é ótimo, mas não a qualquer preço. Não é o dinheiro que me move.»

Até há pouco tempo, a Rasto só vestia homens. Mas antes do final do ano, as mulheres também poderão usar a marca. Duas novas linhas, uma para senhora e outra de acessórios para bicicletas, vão ser lançadas até dezembro e vendidas nos habituais pontos de venda da marca – a loja online (www.rasto.pt) e em três espaços em Lisboa, Aveiro e Vila Nova de Gaia. Além-fronteiras, a Rasto já chegou à Islândia. A descoberta, supõe Geraldo, terá resultado da sua participação no projeto Carma, que tem como missão fazer que uma bicicleta totalmente criada a partir da sucata de um carro compense os quilómetros percorridos por essa viatura: «Eu fiz os acessórios de pele para a Carma. Fiz o selim, calças, polos e bonés com a pele dos estofos de um carro velho. Acho que foi esse trabalho que me deu visibilidade junto dos islandeses, porque o Carma é um projeto internacional, percorreu mundo.»

Apesar da «boa aceitação» que a Rasto tem junto dos consumidores-alvo, Geraldo não quer abandonar uma outra arte que, neste momento, o ocupa mais do que a moda: a carpintaria e a marcenaria. Além do atelier , tem como cenários de trabalho casas em construção, onde instala portas e janelas e aplica acabamentos de madeira. E a marcenaria do patrão e amigo, onde faz mobiliário de cozinha. «O meu avô é carpinteiro e o meu pai também. Aprendi com eles. Quando era miúdo gostava de vê-los a trabalhar. Ficavam com as roupas cheias de serrim, o pó da madeira. E lembro-me que gostava do cheiro da madeira acabada de cortar. Por isso, não é nada estranho para mim trabalhar com materiais tão diferentes como os tecidos e a madeira. Não há nada que me impeça de ser polivalente.»

Havendo talento, nada impede, de facto, a «acumulação de competências». Mas se o mercado exigir mais do estilista do que do carpinteiro, Geraldo não enjeita dedicar-se mais à Rasto. «Terei de equacionar essa possibilidade, claro, mas largar a carpintaria não vou largar. Gosto muito de trabalhar com madeira.»

E o gosto pela moda e pela costura, de onde veio? «Não faço a mínima ideia. A minha avó tinha uma máquina de costura. Não foi ela que me ensinou mas foi na máquina dela que eu comecei a fazer as primeiras experiências. A dada altura, aos 14 anos, já fazia as minhas próprias calças e mais tarde as dos meus amigos. Eles gostavam dos meus jeans e pediam-me para fazer para eles. Eu pegava em dois pares e transformava-os num. As originais ficavam irreconhecíveis depois da minha intervenção. Hoje acho–as horríveis, mas há 13 anos pareciam-me o último grito da moda.» Essas primeiras calças, «muito largas em baixo», não encontraram imitadores, mas foram um must have presente durante muito tempo nos armários de meia dúzia de amigos. Agora, porém, os modelos são outros.